Autor: José Ricardo Ruela Rodrigues junho 1, 2020 Em Consumidor, Informativos

Princípios no Código de Defesa do Consumidor

Princípios no Código de Defesa do Consumidor – No artigo anterior tratamos  sobre a Teoria Geral dos Princípios. Um tema que abordou, dentre outras questões, a importância, aplicação e os possíveis conflitos que por ventura possam surgir no momento da aplicação destes princípios.

O Código de Defesa do Consumidor é um micro sistema normativo, uma lei multidisciplinar que possui princípios próprios. Boa parte da doutrina afirma que bastaria ao CDC os seus 7 primeiros arts. para que pudesse atingir sua finalidade precípua:

“A busca de um real equilíbrio nas relações de consumo”.

É de ressaltar ainda, que existem divergências doutrinárias acerca de quais seriam os princípios contidos na Lei nº. 8.078/90. Alguns especialistas neste assunto, afirmam que os sete primeiros artigos seriam princípios informadores e basilares da lei consumerista.

Por outro lado, há os que sustentam que estes princípios seriam somente os descritos nos incisos do artigo 4º do mesmo diploma.

Embora o objetivo principal deste texto não seja discutir quais dispositivos são considerados princípios no CDC, nos parece razoável afirmar que o art. 4º é o que contém as tais diretrizes mínimas.

Sendo que os demais dispositivos retratariam somente objetivos a serem alcançados através da Política Nacional das Relações de Consumo. Como, por exemplo: a busca de um maior equilíbrio entre fornecedores (“latu sensu”) e consumidores em todas as suas espécies.

Para uma melhor reflexão sobre o tema, é de se destacar três princípios contidos no CDC que serão comentados individualmente a seguir, quais sejam: Vulnerabilidade; Boa-fé; Equidade.

Princípio da Vulnerabilidade

O CDC reconhece expressamente, através de um dos seus princípios basilares contido no artigo 4º, I, a vulnerabilidade do consumidor. Por vulnerabilidade devemos entender a exposição do consumidor ao mercado de consumo. Após a Revolução Industrial, com o início da chamada “produção em massa”, os meios de produção passaram a ser monopólios dos fornecedores.

E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo-se aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação e distribuição de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém.

Mas sim, dizer que cabe ao fornecedor a escolha do que, quando e de que maneira produzir. De sorte que o consumidor está a mercê daquilo que é produzido. Resta ao consumidor somente dizer se aceita ou não o negócio a ser realizado.

É por isso que, quando se fala em “escolha” do consumidor, ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que já existe e foi oferecido no mercado. Essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, mais conhecidos como “lucro”.

Assim, o consumidor é vulnerável porque o mercado impõe a ele uma modelo de vida a ser seguido e, caso não siga, poderá se sentir excluído do restante da sociedade, ele passa a ser praticamente forçado a adquirir novos produtos ou contratar serviços.

Os fornecedores ainda se utilizam do fator consumo estar intimamente ligado a um sentimento de felicidade, já comprovado cientificamente. Não há que se discutir em uma relação de consumo se o consumidor é ou não vulnerável, desde que seja reconhecido como consumidor ele sempre será vulnerável.

O que diz a Doutrina?

Parte da nossa doutrina e, inclusive o nosso Poder Judiciário, seja em primeiro, segundo grau ou nos órgãos de sobreposição acabam por distorcerem este conceito de vulnerabilidade.

O que se percebe na maioria dos casos é uma real confusão com o conceito de hipossuficiência, totalmente ligada a uma deficiência técnica, jurídica, econômica ou fática.

Vulnerabilidade X Hipossuficiência

A vulnerabilidade é a exposição do consumidor ao mercado de consumo, enquanto a hipossuficiência corresponde a alguma deficiência do consumidor.

Como exemplo, podemos citar a falta de conhecimento técnico, a falta de conhecimento jurídico no ato da assinatura de um contrato. Destaca-se ainda uma enorme diferença no poder econômico entre as partes contratantes. Por fim, uma hipossuficiência fática como em casos de vícios do

Analisado sob outra ótica, pode-se afirmar que a vulnerabilidade do consumidor é incindível do contesto das relações de consumo e independe de seu grau cultural, técnico ou econômico, não admitindo prova em contrário, por não se tratar de uma presunção legal.

É a vulnerabilidade, qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissociável de todos que se colocam na posição de consumidor, em face do conceito legal. Neste caso, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica, que se trate de consumidor PJ ou consumidor PF, sendo consumidor será sempre vulnerável.

Por fim, vale ressaltar que estamos tratando de um princípio norteador das relações de consumo. Assim, tal princípio deve ser observado na construção da Política Nacional das Relações de Consumo destacadas no artigo 4º da Lei nº. 8.078/90.

Levá-lo ao extremo, interpretá-lo de forma extensiva demais, pode levar a um efeito contrário a política de estabilidade das relações de mercado que se buscava inicialmente.

Princípio da Boa-Fé

É um dos princípios mais antigos existentes no mundo do direito. Trata-se de um princípio geral do direito aplicado em todos os ramos e segmentos deste universo conhecido como Direito.

Até os dias atuais, considerado por muitos profundos conhecedores do assunto, um dos temas mais tormentosos no tocante a uma definição de cunho conceitual.

Em razão de sua importância o princípio da Boa-fé não poderia deixar de estar presente no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, III (parte final).

É de se destacar que o princípio da Boa-fé se subdivide em: boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva, sendo interessante um breve comentário acerca de cada uma delas.

Boa-Fé Objetiva X Boa-Fé Subjetiva

A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito.

É, pois, a falsa crença sobre determinada situação pela qual o detentor do direito acredita em sua legitimidade, porque desconhece a verdadeira situação.

Nesse sentido a boa-fé pode ser encontrada em vários preceitos do Código Civil, como, por exemplo, no art. 1567, quando trata dos efeitos do casamento putativo.

Nos arts 1201 e 1202, que regulam a posse de boa-fé e ainda, no artigo 879, que se refere à boa-fé do alienante do imóvel indevidamente recebido, etc.

A que a lei consumerista incorpora, diversa da subjetiva, é a chamada boa-fé objetiva que pode ser definida como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.

Não o equilíbrio econômico como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que dentro do complexo de direitos e deveres das partes há um desequilíbrio de forças.

Entretanto, para se chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação as demais, pois o que pode ser exagerado para um não o será para o outro.

A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standart , que não depende de forma alguma da verificação da má-fé subjetiva do fornecedor ou mesmo do consumidor.

Deste modo, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra.

É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim almejado no contrato.

Princípio da Equidade

O princípio da equidade nada mais é do à busca pela justiça no caso concreto, à busca pelo equilíbrio nas relações de consumo. Tal princípio tem como fundamento um dos direitos estampados no artigo 5º, caput, da CF/88, o direito à Igualdade.

Na realidade, sintetiza-se que a eqüidade se traduz na busca constante e permanente do julgador da melhor interpretação legal e da melhor decisão para o caso concreto.

Trata-se, como se vê, de um raciocínio que busca a adequação da norma ao caso concreto.

Em momento algum, porém, salvo quando expressamente autorizado pela lei, pode o julgador decidir exclusivamente pelo critério do justo e do equânime, abandonando o texto legal, sob o risco de converter-se em legislador.

Por fim, é correto afirmar que eqüidade se traduz em uma forma de manifestação de justiça que tem o condão de atenuar a rudeza de uma regra jurídica.

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Autor: Dr. José Ricardo Ruela Rodrigues

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