Autor: José Ricardo Ruela Rodrigues maio 22, 2020 Em Informativos, Tributário

A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal

O Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica e sua Aplicabilidade na Execução Fiscal

RESUMO: A finalidade deste texto compreende a análise do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicabilidade dentro do processo de execução fiscal, principalmente depois de entrar em vigor o Código de Processo Civil de 2015,bem como, o entendimento jurisprudencial atual do Superior Tribunal de Justiça.

PALAVRAS-CHAVES: Desconsideração da personalidade jurídica. Execução fiscal. Redirecionamento.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA; 3. O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL; 4. A DECONSIDERAÇÃO DA PERSONALIADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO

Todos sabemos que as pessoas jurídicas têm existência distinta das pessoas físicas, ou seja, não se pode confundir a empresa (PJ) com seus sócios ou membros (PF).

Ocorre porém que, muitas vezes, as pessoas jurídicas são utilizadas com a finalidade de frustrar pagamentos de dívidas ou atuando de forma contrária ao que estipulado em seu estatuto, ou seja, pode ser utilizada de maneira a desvirtuar objetivos diversos daquela para a qual a empresa foi constituída.

Por conta disso é que o legislador transformou em lei a chamada Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, como veremos a seguir:

Considerando as especificidades do procedimento da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), inclusive seu tratamento jurisprudencial conferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de execução fiscal, em suma, seria necessário a instauração de Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica?

2. BREVES APONTAMENTOS SOBRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Como dito acima, as pessoas jurídicas têm personalidade jurídica própria e, portanto, possuem autonomia patrimonial. Marlon Tomazette: explica essa questão da seguinte forma:

“A última e mais importante consequência da personificação de uma sociedade é a autonomia patrimonial, isto é, a existência de um patrimônio próprio, o qual responde por suas obrigações. Disso decorre que, a princípio, é o patrimônio da pessoa jurídica a garantia única dos seus credores e, por conseguinte, os credores, a princípio, não possuem pretensão sobre os bens dos sócios. Do mesmo modo, o patrimônio social é imune às dívidas particulares dos sócios. A autonomia significa que as obrigações (créditos e débitos) da pessoa jurídica não se confundem com as obrigações (créditos e débitos) dos sócios, não havendo que se falar em compensação”.

Disregard Doctrine:

Todavia, nos casos expressos em lei, esta autonomia pode deixar de ser absoluta quando ocorrer abuso na condução da pessoa jurídica. E a ferramenta jurídica para se derrubar esta autonomia e alcançar a figura dos sócios é através do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica (ou teoria do levantamento do véu ou Disregard Doctrine), que pode ser conceituado como o fenômeno pelo qual os bens pessoais do sócio respondem pelas dívidas imputáveis à pessoa jurídica (noção tradicional ou direta da desconsideração), ou ainda, quando os bens da pessoa jurídica podem vir a ser atingidos para satisfação de débitos pessoais dos sócios, neste caso temos a teoria da desconsideração inversa.

No direito brasileiro, a aplicação desta teoria já vinha sendo há muito defendida pela doutrina majoritária, mas foi com a Lei n° 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que restou pela primeira vez positivada, nos seguintes termos:

Código de Defesa do Consumidor

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

6° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Código Civil

 Já o atual Código Civil em seu art. 50 prevê:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Teorias:

 Da análise dos dispositivos se extrai, igualmente, a existência de duas teorias sobre o fundamento da desconsideração da personalidade jurídica:

A primeira teoria, denominada “maior”, demanda a comprovação do abuso da personalidade mais o prejuízo ao credor. Foi a teoria adotada pelo art. 50 do Código Civil, o qual, aliás, passou e prever expressamente os conceitos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial como situações caracterizadoras do abuso da personalidade, nos seus parágrafos primeiro e segundo, com redação dada pela Lei nº 13.874/2019, acima consignados.

Ao mesmo tempo, a segunda teoria, denominada “menor”, exige apenas o prejuízo ao credor. Veja-se que há dispensa quanto à comprovação do abuso da personalidade. Foi a teoria acatada pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

Não se deve confundir a desconsideração da personalidade jurídica, quando o magistrado afasta a empresa para buscar patrimônio junto aos sócios com a despersonificação da pessoa jurídica, que nada mais é do que a dissolução da pessoa jurídica de acordo com o art. 51 do Código Civil.

Já no plano processual, o Código de Processo Civil passou a disciplinar expressamente os aspectos processuais da desconsideração nos seus arts. 133 e seguintes. Com isso, restou superada a discussão existente sobre a sua natureza jurídica e atualmente trata-se tipicamente de intervenção e deve ser viabilizada através de incidente processual.

No entanto, há que se destacar que o próprio art. 134, § 2º, do Código de Processo Civil, dispensa a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, caso em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica cuja personalidade requer-se desconsiderar.

3. O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL PARA OS SÓCIOS DA PESSOA JURÍDICA EXECUTADA

A princípio, por redirecionamento da execução fiscal entende-se o procedimento de composição do seu polo passivo por terceira pessoa distinta daquela inicialmente executada, fazendo com que este terceiro passe a ser pessoalmente responsabilizado pelos débitos tributários excutidos.

Além disso, as hipóteses que viabilizam o redirecionamento da execução fiscal estão nos arts. 124, 133 e 135 do Código Tributário Nacional, que tratam dos casos de responsabilidade por solidariedade, por sucessão e por ato de terceiros em matéria tributária.

O exemplo mais corriqueiro no que diz respeito ao redirecionamento da execução fiscal é em relação ao sócio gerente/administrador da pessoa jurídica executada.

Mas esse redirecionamento não é realizado só pelo fato de o sujeito ser sócio da pessoa jurídica executada. É necessária a comprovação de sua atuação com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou, ainda, na hipótese de dissolução irregular da sociedade. Ilustrando esta temática:

Decisão Judicial

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO GERENTE. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR: DEVER DE CABAL DEMONSTRAÇÃO DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA DE QUE A EMPRESA NÃO FUNCIONA NO LOCAL INDICADO NOS REGISTROS FISCAIS QUE, À MINGUA DE OUTROS ELEMENTOS INDICIÁRIOS, É INSUFICIENTE PARA O PRONTO REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. INVIABILIDADE DA INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. APLICAÇÃO, NO ENTANTO, DA SÚMULA 435 DO STJ. AGRAVO INTERNO DOS PARTICULARES A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A Primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp. 1.101.728/SP, de relatoria do Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, publicado em 23.3.2009, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973, firmou o entendimento de que o redirecionamento da Execução Fiscal contra o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando comprovado que ele agiu com excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da sociedade.

Súmula 435 do STJ

2. A Súmula 435 do STJ diz que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente.

Não Localização da Empresa

3. A inteligência que se deve ter desse enunciado é de que a não localização da empresa no endereço fiscal é indício de sua dissolução irregular, mas independente de qualquer outro elemento, é insuficiente para o pronto redirecionamento da execução fiscal, que depende de prévia apuração das razões pelas quais tal fato ocorreu, bem como da comprovação do elemento subjetivo na conduta ilícita do sócio, a teor dos arts. 134 e 135 do CTN.

4. Existem julgados desta Corte Superior afirmando que a mera devolução do Aviso de Recebimento (AR-Postal) sem cumprimento não basta à caracterização de dissolução irregular. Esse entendimento pode ser estendido para outros tipos de certificação, inclusive aquela feita pelo Meirinho (AgRg no REsp. 1.075.130/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 2.12.2010 e AgRg no REsp. 1.129.484/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 26.3.2010).

Primeira Turma do STJ

5. A maioria dos integrantes da Primeira Turma, todavia, entendeu pela aplicação da Súmula 435 do STJ em casos tais, razão pela qual, considerando a função constitucional desta Corte de uniformização da jurisprudência pátria, ressalvo meu ponto do vista para acompanhar o entendimento sufragado por esta Turma e manter, no caso, o redirecionamento da Execução Fiscal.

6. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1580182/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 28/11/2019).

STJ

Sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado na Súmula 435 no sentido de que a empresa que deixar de funcionar em seu domicílio fiscal, sem a prévia comunicação aos órgãos competentes, presume-se irregularmente dissolvida, de tal forma que isto autoriza o redirecionamento da execução fiscal:

“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Importante destacar que o mero inadimplemento da obrigação tributária principal não autoriza, por si só, o redirecionamento da execução fiscal, porque este fator caracteriza apena mora, sendo insuficiente para que ocorra a desconstituição da pessoa jurídica.

Desta forma, fica claro que o redirecionamento é um instrumento utilizado com frequência na execução fiscal como forma de atingir bens de terceiros e, agora, diante da alteração promovida pelo atual Código de processo Civil, passou a ser confrontado com o incidente da desconsideração da personalidade jurídica, como abordado a seguir.

4.  A DECONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO FISCAL

Com o advento do art. 795, § 4º, do Código de Processo Civil, que impõe a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para sujeição dos bens particulares dos sócios às dívidas da sociedade, iniciou-se a discussão quanto à sua aplicação, ou não, para o procedimento de execução fiscal.

Daí podemos destacar três correntes doutrinárias sobre o assunto:

Correntes Doutrinárias – Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Uma primeira corrente sustenta que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica seria obrigatório para a promoção do redirecionamento da execução fiscal, diante do claro comando do citado art. 795, § 4º, do Código de Processo Civil. De acordo com Leonardo Carneiro da Cunha:

“Não é difícil imaginar que possa haver resistência na adoção de tal incidente no âmbito da execução fiscal, ao argumento de que sua instauração poderia frustrar a efetividade da execução, permitindo que o terceiro, ao ser citado, esvazie suas contas bancárias ou desvie seus bens para escapar de eventual ou futura constrição.

Tal argumento não deve ser utilizado para afastar a adoção do referido incidente. Primeiro, porque qualquer alienação feita pelo terceiro será ineficaz se sua responsabilidade vier a ser reconhecida (CPC, arts. 137, 790, 792, § 3º).

Tutela Provisória

Ademais, é possível, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, haver a concessão de tutela provisória, seja de urgência, seja de evidência. É possível que o juiz, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conceda tutela provisória, seja de urgência, seja de evidência, desde que presentes seus pressupostos, para já determinar, por exemplo, o bloqueio de ativos do terceiro ou para tornar indisponível algum bem dele, a fim de garantir futura penhora, na eventualidade de vir a ser acolhido o incidente e reconhecida sua responsabilidade”.

CPC

Para fundamentar ainda melhor tal teoria, o disposto no art. 1º da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal) admite a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Já a segunda corrente, por sua vez, defende que não há necessidade de se instaurar o incidente da desconsideração da personalidade jurídica no feito executivo fiscal, sob o argumento de que este instituto seria incompatível com os fins da Lei de Execução Fiscal. Esta corrente doutrinária já foi acolhida em precedente recente da 4º Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.786.311, de relatoria do Ministro Francisco Falcão, julgado em 09.05.2019, ao analisar a responsabilidade de empresas componentes de um mesmo grupo econômico.

Decisão Judicial:

Diante da sua relevância, transcreve-se a ementa do citado acórdão:

REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.

Sucessão Empresarial

II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.

Grupo Econômico

III – Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ.

IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015.

Aplicação Subsidiária do CPC

Na execução fiscal “a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível” (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Documento: 94741313 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 14/05/2019 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça Segunda Turma, julgado em 27/5/2014).

V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial.

Instauração do Incidente

Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

Por fim, a terceira corrente, em sentido diverso, a 1º Turma do próprio Tribunal da Cidadania, decidiu que é possível, sim, a aplicação do incidente da desconsideração no âmbito da execução fiscal, quando não presente qualquer situação dos arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional, ou quando a terceira pessoa visada não estiver registrada na certidão de dívida ativa que aparelha a execução fiscal. Também ilustrando esse posicionamento, colaciona-se a ementa da decisão, relatada pelo Ministro Gurgel de Faria:

Decisão Judicial:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO “DE FATO”. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO. NECESSIDADE.

1. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.

Grupo Econômico – Responsabilidade

2. Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.

3. O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.

Grupo Economico – Caracterização

4. Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei n. 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada. 5. Recurso especial da sociedade empresária provido.

Por fim, todas as correntes citadas acima apresentam argumentos sólidos que deverão ser levados em consideração no momento do julgamento. Nesse ínterim, caberá ao Superior Tribunal de Justiça, que registra divergência em suas Turmas, caberá a uniformização do entendimento sobre a matéria, em prol do dever de manutenção de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente, nos moldes do art. 926, caput, do Código de Processo Civil.

5. CONCLUSÃO

Assim, a aplicação ou não da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica da empresa para fins de redirecionamento da execução fiscal ainda não encontra consenso, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.

Levando em consideração que tal procedimento é de suma importância para a efetividade das execuções fiscais e não só, mas também relevante em diversas outras áreas do direito, cabe ao Superior Tribunal de Justiça, a quem constitucionalmente cabe a uniformização da jurisprudência sobre a legislação infraconstitucional, dirimir tal divergência.

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Autor: José Ricardo Ruela Rodrigues

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento no Recurso Especial n 1580182/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 28/11/2019. Acesso em 23 de dez. de 2019.

________. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.775.269 – PR Relator: Ministro Gurgel de Faria. 21.02.2019.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 15º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 9º Ed. Salvador. JusPodivm, 2017.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. Volume 1. 8º Ed. São Paulo: Atlas, 2017.

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